O reinventor do Brasil - Santa Tereza Tem
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O reinventor do Brasil

*Artigo de Jorge Fernando dos Santos – publicado primeiro em no site do autor

Morto num acidente suspeito na Via Dutra, em 1976, JK impulsionou o país rumo à modernidade

Brasileiro tem memória curta. Pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, em 2021, comprovou essa máxima, ao constatar que apenas 4% dos entrevistados sabiam quem foi Juscelino Kubitschek. Visando contribuir para mudar esse quadro, a TV Cultura lança no final de novembro o documentário JK, o reinventor do Brasil. Serão quatro capítulos de 50 minutos narrando a trajetória do “presidente bossa-nova”, desde a infância pobre em Diamantina, sua cidade natal, até a morte trágica em 1976.

A produção é capitaneada pelo sociólogo Fábio Chateaubriand Borba, diretor de Rede e Novos Negócios da Fundação Padre Anchieta. JK foi matéria de capa na revista Aventuras na História, lançada recentemente pela Editora Caras. Juscelinista declarado, Fábio também anunciou a publicação de uma fotobiografia do personagem, especialmente endereçada às novas gerações.

Indiretamente, o resultado da pesquisa Datafolha mostrou o quanto ruim é o ensino no Brasil – que sequer consegue fixar na memória do povo personagens fundamentais da nossa História. JK, para quem não sabe, foi aquele que colocou o país nos trilhos da modernidade. Herdeiro político de Getúlio Vargas, governou entre 1956 e 1960 sob o lema “50 anos em cinco”. Abriu e pavimentou estradas, inaugurou hidrelétricas, construiu Brasília e trouxe a indústria automobilística para o país.

Emoção e bom-humor

Médico urologista de formação, Juscelino enveredou-se pelos caminhos da política na década de 1930, guiado pelas mãos do governador-interventor de Minas, Benedito Valadares. Nomeado para administrar Belo Horizonte nos anos 1940, ele asfaltou ruas, abriu avenidas, inaugurou a Cidade Industrial, construiu a Pampulha e foi apelidado de “prefeito furacão”.

Quando era governador de Minas, seu secretário da Agricultura, Tristão da Cunha, pediu-lhe para assinar um decreto autorizando a compra de 40 mil enxadas. Segurando o amigo pelos ombros, Juscelino exclamou: “Enxada no meu governo, não. Traga-me um decreto propondo a compra de 40 mil tratores que eu assinarei”. Guimarães Rosa o classificou como “o poeta da obra pública”. Já Nelson Rodrigues escreveu que “Juscelino trouxe a gargalhada para a Presidência da República”.

De fato, quem conviveu com ele, como seu secretário e amigo Serafim Jardim (criador e administrador incansável da Casa de JK, em Diamantina) garante que JK era emotivo e bem-humorado, incapaz de guardar mágoas. Tanto que anistiou os rebelados de Jacareacanga e Aragarças, que tentaram apeá-lo do poder pela força das armas. Contudo, não seria perdoado pelos golpistas de 1964. Segundo seu biógrafo Cláudio Bojunga, o golpe militar foi a maneira que encontraram para evitar sua volta à Presidência nas eleições do ano seguinte.

Juscelino foi certamente o político mais moderno e comprometido com o desenvolvimento nacional do período republicano. Seu estilo inovador e cordial injetou ânimo e otimismo na alma dos brasileiros. Apesar da alta inflacionária provocada pela construção de Brasília, fato é que seu governo coincidiu com a bossa nova, o cinema novo, a poesia concreta, o teatro de arena e a nova arquitetura (que incentivou desde os tempos de prefeito, revelando a dupla Oscar Niemeyer e Lúcio Costa).

Arquiteto da utopia

Já em 1956, ano de sua posse na Presidência, foram lançados livros fundamentais, como Encontro marcado (do seu amigo Fernando Sabino), Vila dos Confins (de Mário Palmério), Grande sertão: veredas Corpo de Baile (de Guimarães Rosa). O Teatro Negro de Abdias Nascimento estreou o musical Orfeu da Conceição, inaugurando a parceria Vinicius de Moraes e Tom Jobim. A peça seria adaptada para o cinema na França, ganhando a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de filme estrangeiro. A dupla seria convidada por JK para compor a Sinfonia da Alvorada.

Há que se destacar ainda a publicação das peças O auto da Compadecida (de Ariano Suassuna) e Morte e vida Severina (de João Cabral de Melo Neto, mais tarde musicada pelo jovem Chico Buarque). O otimismo juscelinista também teria reflexos nas conquistas esportivas. Em 1958, sob o comando do técnico Feola, a Seleção Brasileira de Futebol conquistaria na Suécia sua primeira Copa, revelando para o mundo um jovem “rei” negro chamado Pelé.

Na sequência de fatos otimizantes, a tenista Maria Esther Bueno venceria o torneiro individual de Wimbledon, na Inglaterra, repetindo o feito em 1960. Neste mesmo ano, Eder Jofre conquista o campeonato mundial de boxe, na categoria peso-galo, e JK finalmente inaugura no Planalto Central a nova capital do país, projetada por Lúcio Costa e Niemeyer.

Por tudo isso, nunca é demais lembrar a vida e a obra de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, refrescando a memória nacional sobre o presidente que se revelou arquiteto da utopia. Além do documentário da Cultura e da fotobiografia anunciada por Fábio Chateaubriand, sairá em breve uma nova biografia do ex-presidente assinada pelo jornalista Lucas Figueiredo. Diante da grandeza do biografado, não será difícil sentirmos vergonha dos atuais políticos brasileiros.

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*Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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