Sozinhos na Matrix - Santa Tereza Tem
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Sozinhos na Matrix

Por Jorge Fernando dos Santos  – Artigo publicado primeiro no site

Sou do tempo em que o telefone tocava e a pessoa atendia. Melhor ainda, do tempo em que a campainha chamava e era um amigo ou familiar que chegava para filar a boia ou jogar conversa fora. As visitas vinham sem aviso. Por incrível que pareça, todo mundo era bem recebido e sempre havia um pouco d’água para se colocar no feijão.

Nos tempos de hoje, em pleno auge das redes sociais, ninguém é doido de chegar na casa de alguém sem antes marcar a data e o horário com a devida precisão. Em outras palavras, visita virou audiência ou uma espécie de consulta. E ai daquele se atrever a demorar. As pessoas sequer conversam ao telefone. Preferem trocar as irritantes mensagens faladas através do Zapp.

Num mundo cada vez mais dominado pela internet, estamos mergulhados num sonho lisérgico

Outra coisa curiosa é que ninguém mais pede informações sobre o endereço onde pretende chegar. Basta colocar no Waze ou no Google Maps para encontrar o destino sem o risco de se perder no caminho. Parece que até os pombos correios estão usando esses aplicativos.

Atualmente, acompanhamos a polêmica em torno da chamada Inteligência Artificial. Da Alexa aos demais comandos de voz, a coisa está mais presente em nossas vidas do que imaginamos. O problema é se algum cientista maluco inventar a burrice artificial, não bastasse a nossa própria burrice de seres insensatos e egoístas.

Solidão virtual

Mesmo com milhares de amigos virtuais, nunca estivemos tão sozinhos. Apesar disso, recebemos toneladas de mensagens, a maioria desimportante. São piadas batidas e preconceituosas, fotos do cu do mundo, convites e propagandas que muita vezes a gente nem vê. Sem falar nos comentários políticos carregados de paranoia ou de ódio ideológico.

Quem frequenta bares e restaurantes já deve ter notado o quanto as pessoas (principalmente jovens) ficam ligadas no celular, sem olhar para o lado ou perceber o entorno. Muitos sequer interagem, preferindo teclar com quem está longe, ainda que seja um desconhecido. Isso quando não somos nós mesmos os viciados em consultar as redes e o noticiário a cada minuto.

Dia desses um cientista alertou sobre a possibilidade de as explosões solares afetarem a internet em todo o mundo. Segundo o especialista, corremos o risco de sofrer um apagão nas redes em 2024. Quanto mais isso durar, maiores serão os prejuízos na vida real, incluindo o controle de voos, a circulação de notícias e as operações das bolsas de valores.

Por mais que pareça sadismo, fico imaginando se isso for verdade. Mais que o caos, enfrentaremos um verdadeiro apocalipse now. O lado bom disso tudo é que certamente seremos forçados a acordar do sonho lisérgico no qual estamos mergulhados. Com a Matrix fora do ar, talvez voltemos à realidade do mundo analógico onde as visitas chegavam de surpresa, para filar a boia ou simplesmente jogar conversa fora.

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*Jornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012).

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